28 dezembro 2009

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.


Miguel Torga

17 dezembro 2009

Siddharta

“Quando alguém procura (…) pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitem que ele a encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objectivo, porque está possuído por esse objectivo. Procurar significa ter um objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos. Tu (…) és talvez um homem à procura, pois, perseguindo o teu objectivo, muitas vezes não vês aquilo que está perante os teus olhos.”
Herman Hesse

12 dezembro 2009

Quatro Paredes

A chuva, tocada pelo vento, atirava-se contra a velha janela…Um vento frio proveniente do exterior tiritava por frechas de portas e janelas. Sombras deformadas erguiam-se mergulhando o espaço numa enorme escuridão.
E sentado naquele quarto vazio escrevia. Escrevia para não pensar, para se afastar de si próprio. Tudo porque ouvira uma vez dizer que se reproduzisse para o papel as suas feridas, elas tenderiam a desaparecer.
Escondia-se naquele pedaço de papel amarelado, carcomido pelos anos, evadindo-se daquele corpo velho gasto, consumido pelo tempo. Corpo cansado, mente lúcida. Ao fim de tanto tempo ainda procurava. O quê? - Perdera-se tantas vezes pelo caminho… - Um sentido. Uma palavra. Uma revelação.
Rabiscava os dias, as horas, os pensamentos…
Recolhia então ao mais íntimo de si numa demanda àquela sabedoria adquirida pelo passar dos anos. Procurava um sentido de justiça, quando todas as palavras, todos os actos, todos os juízos pareciam estar mergulhados numa injustiça omnipresente.
Gatafunhava os medos, as verdades, as ilusões...
Escrevia para esquecer, para abandonar aquele vazio que o preenchia. Entregava-se à sorte do momento como quem abandona uma vida à sorte do destino.

07 dezembro 2009

01 dezembro 2009

Noutro tempo...noutro lugar


Para ti.

Mais do que para ti escrevo para mim.
Quero ter a certeza de que escolho as palavras certas, de que não me entrego a devaneios, de que nada fica por dizer.
Não sei se foste fado ou mero acaso. Isolado capítulo na minha vida, embora no mais íntimo de mim desejasse que tivesses sido todo um livro.
Vagas as memórias que o tempo vai esbatendo: o calor do teu toque, a força do teu abraço, o aconchego dos teus beijos. Irónica a sabedoria que o tempo desvenda. Reconheço agora que muitas vezes temos que aprender a renunciar – instantes que não chegam, quimeras que tardam a aparecer.
É verdade, admito que ás vezes ainda espero - não o devia, eu sei – que mostres que te importas, que não fui apenas um imprevisto, que não lutei em vão. Admito que ás vezes ainda espero reencontrar esse amigo que conheci uma vez num outro tempo, num outro lugar (tão distantes me parecem agora…) e não o estranho com que me deparei no final. Triste admitir que por entre receios, sonhos, lutas e desilusões perdi um amigo. Não estou zangada, é certo, apenas não escondo a tristeza de quem se enganou.

De,

Mim.